PRIMEIRA PARTE DA CRÓNICA
sobre “O Apóstolo São Tomé e a Índia - 1504”
CHRONICA DE D. MANOEL escrita por Damião de Goes e encomendada por Dom Rodrigo António de Noronha e Menezes; 1749; PDF - pp. 144
– 146
Capítulo
XCVIII
Em
que se declara donde estes cristãos de Cranganor trazem seu princípio e dos
costumes e modo de religião que têm e da localização da cidade.
A cidade Cranganor é grande, situada na terra de Malabar a quatro léguas de
Cochim, em frente de Calecut, ao longo da qual passa um rio que a cerca por
algumas partes. Habitam nela gentios, mouros, judeus e cristãos. Tem relações
com diferentes países e é muito conhecida. Vêm a ela mercadores da Síria,
Egipto, Pérsia e Arábia por causa da muita pimenta
que nela há.
Quando os portugueses chegaram à
Índia, esta cidade era governada por os mesmos da terra num sistema de república, mas com obediência ao Samorii (=
imperador), rei de Calecut. Depois que os
governadores de Cranganor viram as suas coisas em declínio por causa da guerra
que o rei de Calecut fazia aos portugueses, revoltaram-se sem mais lhe quererem
obedecer. Os portugueses encontraram nos gentios os mesmos costumes e crenças
que têm todos os outros de Malabar.
Os cristãos que nela moram, têm
igrejas como as nossas e nos altares e paredes pintadas têm cruzes como os de
Coulão sem nenhumas outras imagens nem sinos. O povo junta-se nas igrejas aos
domingos, onde ouvem as pregações e os ofícios divinos. Ao seu Papa chamam católico. Este tem a sua residência na
Caldeia com doze cardeais, dois patriarcas, arcebispos, bispos e outros
prelados. Os sacerdotes trazem a tonsura em cruz e consagram o Corpo do Senhor
em pão ázimo e com vinho de passas por não haver outro. Os seculares comungam
separadamente o pão e o vinho consagrado como os sacerdotes. Baptizam os
meninos aos quarenta dias, se não sucede perigo de morte. Confessam-se antes de
tomar o Sacramento e em lugar da Extrema Unção que não usam, o sacerdote benze
o enfermo. Quando entram nas igrejas lançam água benta sobre si; enterram os
mortos ao modo da Igreja Romana. Os parentes e amigos, em lembrança do morto,
comem todos juntos oito dias seguidos, dizendo sempre muitas orações pela alma
do defunto, após as quais lhe fazem o saimento.
Quando o que morre não faz testamento, sucede na administração dos bens o
parente mais próximo. As mulheres do defunto tiram o seu dote aos bens do
defunto, o qual por lei e costume que têm, perdem, isto é, voltam a entregá-lo,
se se casam antes de um ano depois da morte do marido. Têm os mesmos Livros da Lei Velha e Nova que são
recebidos no Cânone da Igreja Romana, escritos em língua hebraica e caldeia, os
quais os seus doutores (de que há alguns bem doutos na Lei) lhes lêem em
escolas públicas, principalmente os dos Profetas. Jejuam no Advento e na Quaresma no mesmo tempo que nós. Não comem coisa nenhuma nem bebem
na véspera da Páscoa até ao dia. Têm
pregadores que ordinariamente lhes pregam todo o ano. Têm livros de doutores
que lhes explicam a Lei em que estudam. Guardam com muta devoção o Dia da Páscoa com duas oitavas e o Dia da Pascoela (domingo
seguinte ao Domingo de Páscoa) com muita
solenidade por, naquele dia, São Tomé ter metido a mão no lado de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Guardam com a mesma solenidade os dias da Ascensão, Pentecostes,
Santíssima Trindade e Assunção de Nossa Senhora, o do nascimento de Nossa
Senhora e da Sua Purificação, o do Natal, Epifania e todos os dias dos
Apóstolos e domingos de todo o ano.
Têm dia intercalar para conta dos
anos como os latinos. Os cristãos e gentios daquele reino fazem grandes festas
no primeiro dia de Julho, em honra
do bem-aventurado Apóstolo
São Tomé.
Têm mosteiros de monges que se vestem de panos pretos e da mesma ordem os há de
freiras que vivem com muita observância, honestidade, castidade e pobreza tanto
uns como os outros.
Os sacerdotes guardam castidade
conjugal, morta a primeira esposa, não casam mais. No matrimónio, não pode
haver entre eles afastamento por nenhum motivo, senão por falecimento do marido
ou da esposa; bem ou mal, hão-de viver juntos até à morte. Estes costumes e
crenças têm todos os cristãos que há desde Cranganor até Chormandel e Mailapur, onde jaz enterrado o Apóstolo São Tomé que pregou a Palavra de Nosso Senhor
Jesus Cristo a estes de Cranganor e aos de Coulão e primeiro que a estes aos da
ilha de Cocotorá como eles têm por suas lendas e livros autênticos. Para maior
certeza, farei aqui menção do que Pero de Sequeira (homem a quem se pode dar
crédito) me disse acerca da verificação deste Santo Apóstolo ser o primeiro que
pregou a nossa fé católica naquelas partes que foi assim:
Servindo ele, no ano de 1544, o
ofício de tesoureiro do Depósito em
Cochim, veio ter àquela cidade um Bispo de Cranganor, de nome Jacobo, caldeu de nascimento, o qual
por sua dignidade e honestidade, morava no mosteiro de Santo António, da ordem
de São Francisco, onde adoeceu de enfermidade de que veio a falecer, e que Pero de Sequeira, por ter com ele
alguma amizade, ia visitar muitas vezes. Este bom homem, vendo-se no extremo
ponto da vida, com muita vergonha, lhe rogou que, se Deus fosse servido de o
levar para si, quisesse o Pero de Sequeira usar uma esmola e caridade para com
ele e com todos os cristãos da cidade de Cranganor: era que ele, por
necessidade e por ser pobre, empenhara a um certo homem, que morava na serra,
duas tábuas de cobre em que estavam talhados ao buril privilégios que os senhores daquela cidade deram ao bem-aventurado Apóstolo São Tomé para os cristãos que ele já então
tinha convertido e para todos os que depois fossem convertidos e estas tábuas
empenhara por vinte cruzados havia
já alguns anos sem sua pobreza lhe dar lugar para as poder resgatar e lhe pedia,
para consolação da sua alma, lhe pagasse a penhora e as guardasse porque se
Deus lhe desse vida, ele lhe pagaria os vinte cruzados e morrendo o fariam os
cristãos de Cranganor pelo muito que isso lhes importava.
Pero Sequeira, comovido com
estas palavras, mandou um seu criado com o dinheiro, em companhia de um
sacerdote, dos que acompanharam o bispo e que conhecia o homem que tinha as
tábuas, que lhe trouxeram antes de falecer e por isso levou para o céu muita
consolação.
Morto o bispo, Pero de Sequeira
mostrou estas tábuas ao governador da
Índia, que então era Martim Afonso
de Sousa, que logo mandou buscar quem lesse o conteúdo delas, mas não se
achou quem as entendesse pela antigüidade da escrita e evolução das línguas. Já
desesperado, vieram-lhe a indicar um judeu que também vivia na serra, homem
douto em muitas línguas e expert em línguas antigas, ao qual mandou as tábuas
com cartas de recomendação do rei de Cochim, nas quais mandava que lhe
declarasse o que elas continham. O judeu assim fez com muito trabalho porque a
escrita era em três línguas – caldeu, malabar e árabe – e o estilo muito
antigo, mas a substância dos privilégios não se continha em cada uma destas línguas,
por si, senão em todas as três juntas, pondo uma palavra em adição caldeia e
outra malabar e outra árabe. E nestas três línguas estavam as tábuas escritas e
o seu texto que o judeu traduziu para a língua malabar, foi depois traduzido
para a língua portuguesa.
Estas tábuas são de metal fino, de
palmo e meio cada uma de comprimento e quatro dedos de largura, escritas em
ambas as faces e enfiadas na parte superior com um fio de arame grosso. O que
elas contêm é que “o rei que então reinava, dava de sua livre vontade ao Apóstolo
São Tomé,
que então residia em Cranganor, para edificar um templo naquela cidade, tantos côvados de elefante de terra em
redondeza, medida que faz dez palmos que é uma braça de craveira. O Apóstolo
edificou este templo no lugar que aquele rei lhe deu, que é no sítio onde está
agora a nossa fortaleza, declarando mais que todos os cristãos que naquela
redondeza edificassem casas, não pagassem nenhum
tributo aos reis daquele reino. E ainda mais: que para sustento do templo,
lhe fazia doação do quinto das
mercadorias que trouxessem os mesmos cristãos àquela cidade, pela sua baía
do porto que então era de grande trânsito, e este privilégio se lhes guarda até
hoje.
Estas tábuas ficaram ao cuidado do
mesmo Pero de Sequeira e depois do
tesoureiro que o sucedeu, onde ao presente devem ainda lá estar; a
tradução das quais mandou Pero de Sequeira em língua portuguesa ao rei D. João Terceiro que em santa glória
haja e lhe foi dado, mas o que se fez desta tradução não pude saber nem se acha
na Torre do Tombo, onde por razão a deveriam ter deixado como coisa digna de
memória.=
Transcrita para o português actual por
Maria Carmelita de Portugal
Lagos,
25 de Setembro de 2016
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